Uma voz não pode transportar a língua e os lábios que lhe deram asas. Deve elevar-se sozinha no éter.
Khalil Gibran
O que é a voz de uma pessoa? Antecipo que me refiro aqui não ao fenômeno acústico ou à produção fisiológica; portanto, de antemão a pergunta deve ser reformulada: O que pode oferecer o interior de um humano quando suas compreensões e convicções são verbalizadas e expressadas?
Foi como uma “voz que clama nos desertos” (Jo 1,23) que João Batista anunciou que a libertação estava próxima. Foi com voz humana que Deus falou à humanidade quando Jesus afirmou “Quem tem ouvidos, ouça!” (Mt 13,9). Foi com uma voz expressa em letra que o apóstolo nos alertou: “Estejam prontos a dar razões convincentes de vossa fé e de vossa esperança” (1Pd 3,15).
Foi a voz de tantas testemunhas, ao longo dos séculos, que nos mostrou que a vida tem sentido quando é doada e entregue. Foi a voz forte e eloquente de Luther King que nos relembrou que podemos ter sonhos: “I have a dream!”. Foi a voz meiga de Tereza de Calcutá que nos relembrou que “Todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração”. Foi com o tom da não-violência que a voz de Gandhi ecoou aos quatro cantos, quando disse que “O amor é a força mais sutil do mundo”.
O que é a voz de uma pessoa? É ela mesma, é ela “expressa”, pois, segundo o princípio bíblico, “a boca fala do que o coração está cheio” (Mt 12,34). Em tempos como os nossos, que tantas vozes são proferidas, é necessário, como comunidade universitária, em nossa missão, tornar presente a voz da fraternidade. A dinâmica da fraternidade é minha intenção em meu exercício de reitorado. Para tanto, iluminado pelo convite do Papa Francisco, em sua Encíclica Fratelli Tutti – conforme já apontei em meu discurso de posse -, quero fazer 5 convites para nossa comunidade acadêmica:
Devemos, como observa Francisco, na Fratelli Tutti, perceber as “sombras de um mundo fechado”, analisar com precisão a realidade em que estamos inseridos. Não podemos, em hipótese alguma, demonizar o mundo, mas, igualmente, não podemos canonizá-lo. O mundo é o que é e o que está diante de nós, com todas as suas contradições, limites e sombras; um mundo a ser abraçado, assumido, amado e transformado. Assim, uma proposta pedagógica efetiva é aquela que nasce de um contexto, de algo concreto, tornando-se – a Universidade – uma resposta ao mundo.
Na citada Encíclica, o Papa Francisco nos solicita – tendo como hermenêutica de análise de mundo a parábola do Bom Samaritano – estarmos abertos aos “estranhos” do caminho (expressão que ele utiliza). Sim, o samaritano, o excluído de então, tornou-se princípio e prisma de abertura ao cuidado do outro e da vida.
Uma Universidade Católica, por sua própria natureza, deve estar aberta aos “estranhos” e ao “estranhamento”. Os “estranhos” são todas aquelas e todos aqueles que nos solicitam respostas, orientações, ajuda, horizontes. O “estranhamento”, por sua vez, é aquele “estranhamento” diante do óbvio e do corriqueiro, que instaura uma postura de inquietação e admiração. Sim, a Universidade deve estar aberta ao novo, deve ser disruptiva e, por isso mesmo, preservando o que de melhor possui.
Ao abraçarmos o mundo e acolhermos os “estranhos”, a postura mais esperada é aquilo que Francisco aponta no terceiro capítulo da Fratelli Tutti: “Pensar e gerar um mundo aberto”. Eis aqui o sentido de toda vida universitária: “pensar” e “gerar”; e, nesse aspecto, já nos alertava João Paulo II na Constituição Ex Corde Ecclesiae: “É uma honra e uma responsabilidade da Universidade Católica consagrar-se sem reservas à causa da verdade” (n. 04). Convém ressaltar que “verdade”, aqui, não se trata de um conceito ou de uma ideologia, mas de uma “pessoa”, como tão bem sublinhou o Papa Francisco na Constituição Apostólica Veritatis Gaudium: “Efetivamente a verdade não é uma ideia abstrata, mas é Jesus, o Verbo de Deus, em quem está a Vida que é a Luz dos homens (cf. Jo 1, 4)” (n. 01).
Para que a Universidade pense e gere um mundo aberto, devemos nos pautar por alguns princípios e aqui ressalto os Princípios da Graduação: Autonomia; Cooperação; Dedicação; Honestidade, Senso Crítico. Tais princípios são a exteriorização do convite de Francisco na Fratelli Tutti, n. 87: “O ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude a não ser no sincero dom de si mesmo aos outros”.
No número 128 da Fratelli Tutti, assim se expressa Francisco: “Se esta afirmação – a de que somos irmãos e irmãs – não se tornar abstração, mas se tornar verdade encarnada e concreta, coloca-nos uma série de desafios que nos fazem mover, obrigam a assumir novas perspectivas e produzir novas reações”. A vivência da fraternidade nos convida a buscarmos os fundamentos e os direcionamentos de nosso agir. E aqui me refiro às aderências aos documentos do Magistério da Igreja, de modo específico àquilo que está presente na Ex Corde Ecclesiae (de João Paulo II) e Veritatem Gaudium (de Francisco).
É claro que também devemos deixar-nos inspirar pelas luzes emanadas pela CNBB, no que diz respeito à educação evangelizadora e, óbvio, aos princípios da educação superior marista, pautados pelo carisma e pela espiritualidade de Marcelino Champagnat. Não podemos nos furtar da atenção devida ao Planejamento Estratégico da PUCPR e, igualmente, ao Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) de nossa Universidade.
Tais fundamentos não nos engessam, mas tornam-se fonte para nosso agir, oferecendo-nos, como aponta Francisco, “percursos de um novo encontro”, pautados pelo diálogo, “um diálogo perseverante e corajoso que não faz notícia, como as desavenças e os conflitos; e contudo, de forma discreta, mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor” (Fratelli Tutti, n. 198).
Convém relembrar que uma universidade é, antes de tudo, um agente social. Isso significa que ela está inserida nos contextos e é influenciada pelas demandas e anseios da sociedade, à qual ela também é chamada a oferecer soluções e orientações, seja no campo científico quanto ético e político. Assim, toda universidade tem como vocação a acolhida dessas demandas, sua compreensão e análise crítica e a consequente sugestão de caminhos que conduzam ao bem-estar da família humana e de toda a comunidade da vida. Como Universidade Católica, a PUCPR assume essa vocação. Isso significa que na PUCPR o conhecimento está a serviço da realização plena e integral de cada ser humano.
Daqui que “identidade” é aquilo que nos define; é nosso DNA. Nossa identidade nasce do Evangelho e da nossa tradição Marista. Fundamentar-se na proposta do Evangelho do jeito Marista como possibilidade de abertura à vida não se trata de uma simples opção para a PUCPR: é sua missão e seu sentido.
Teremos, pela frente, um enorme desafio, mas, igualmente, um belíssimo caminho; e o trilharemos na certeza daquilo que escreveu São Oscar Romero: “Plantamos sementes que um dia nascerão. Regamos sementes já plantadas, sabendo que outros as guardarão. Pomos as bases de algo que se desenvolverá. Pomos o fermento que multiplicará as nossas capacidades. Não podemos fazer tudo, mas dá uma sensação de libertação iniciá-lo. Dá-nos a força de fazer qualquer coisa e fazê-la bem. Pode ficar incompleto, mas é um início, o passo de um caminho. Uma oportunidade para que a graça de Deus entre e faça o resto. Pode acontecer que nunca vejamos a sua perfeição, mas esta é a diferença entre o mestre de obras e o trabalhador. Somos trabalhadores, não mestres de obras, servidores, não messias. Somos profetas de um futuro que não nos pertence”.