As conquistas e desafios das mulheres desde a instituição do voto para elas
Há 90 anos foi instituído o voto feminino no Brasil, que ainda passou por diversos questionamentos
A reinvindicação das mulheres por um espaço de participação na vida política do país tem registros desde o século XIX. Só em 1930, porém, é que foi instituído o voto feminino no Brasil e vem daí o Dia da Instituição do Direito de Voto da Mulher, celebrado em 3 de novembro e que, em 2020, completa 90 anos. Mas o voto delas passou ainda por muitos questionamentos, sendo consolidado só em 1932.
De lá para cá, muitas águas rolaram, tanto na história política do Brasil, como na participação das mulheres nesse setor da sociedade. Mas o que significou, de fato, a instituição do voto das mulheres e que desafios ainda se colocam? Para responder essas perguntas, convidamos a professora Valquíria Elita Renk, que leciona no curso de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR.
PUCPR: Professora, o voto feminino foi proposto já no século XIX e passou por diversas contestações, inclusive sobre quais eram os espaços legítimos das mulheres na sociedade, até ele ser efetivamente aprovado em 1932. O que a instituição do voto feminino significou para as mulheres? E para a sociedade brasileira?
Valquíria: Pensar no voto é pensar na luta das mulheres, que ocorre desde o século XIX e como reivindicação das sufragistas. Algumas conquistas e movimentos foram importantes nesse sentido, como a permissão do alistamento feminino no Rio Grande do Norte, em 1927, e a Liga da Emancipação Feminina. As mulheres buscavam o direito ao voto, que chegou nos anos 30. Isso significou a possibilidade de discutir pautas , votar, ser votada e a maior inserção da mulher no espaço público e político.
Porém, há alguns pontos interessantes de observar: nessa luta das mulheres, nem todas participavam. A maior parte das que estavam organizadas pelo direito ao voto eram da elite: mulheres brancas, ricas e educadas formalmente, como algumas médicas, enfermeiras, entre outras profissões. Além disso, o direito ao voto não significou, necessariamente, a participação efetiva das mulheres. Até 1965, elas dependiam na autorização dos maridos para votar. A situação só mudou com o código eleitoral desse mesmo ano.
PUCPR: De lá para cá, o que podemos observar de evolução na participação feminina na política? E em uma perspectiva mais ampla, o que é possível perceber de melhoria em relação aos direitos das mulheres?
Professora Valquíria: no mundo, tivemos a Declaração dos Direitos Humanos em 1948, que assegura formalmente a igualdade entre as pessoas. No Brasil, tivemos a Constituição de 1988, que também fez um movimento semelhante na formalização da igualdade. Na Constituinte, inclusive, as mulheres tiveram uma participação muito importante. Elas formaram o que foi chamado de “bancada do batom”, que superou questões partidárias para lutar por direitos para as mulheres. Isso resultou, por exemplo, no direito à licença maternidade de 120 dias. Ainda nessa seara, o voto das mulheres se tornou decisivo nas eleições atualmente, já que elas representam a maioria da população.
Mas, além disso, a participação feminina nos faz repensar sobre como as coisas são feitas. A conquista de leis como a Maria da Penha e a do Feminicídio são importantes e mostram que ainda há muito o que fazer.
PUCPR: Falando no que ainda há a fazer, quais os desafios que as mulheres ainda precisam superar, depois desses 90 anos de voto feminino? O fato de elas serem apenas 15% na Câmara e 14% no Senado brasileiro é uma das questões?
Professora: Eu acredito que a baixa representatividade é sim uma questão. E é por isso que existem, desde 1995, as cotas eleitorais para as mulheres. Os avanços que tivemos até agora ainda não deram conta disso. No ranking de representatividade de mulheres nos governos, feito pela ONU, ocupamos a posição 149, de um total de 188 países, por conta do índice de 15% de representação, que é muito baixo. Então, precisamos de maior participação, incentivando que todos respeitem a igualdade de gênero e que as meninas ocupem espaços na sociedade.
Por outro lado, precisamos considerar que há alguns obstáculos específicos para elas, como conciliar a atenção, cuidados com a família e maternidade com a atuação política. Muitas vezes, vem da família o reforço de que não é necessário se envolver com isso. O direito ao voto significa o direito à decisão e à representação, empoderando as mulheres em seus diferentes recortes e incentivando uma maior participação em todas as instâncias sociais, de poder e decisão.