O sorriso entre as flores da Universidade
“Enquanto houver flores amarelas, nada de mal pode me acontecer” Gabriel García Márquez
Val, três letras. Um apelido simples, quase um sopro. Pode soar como uma daquelas palavras que dizemos sem maior atenção, mas que identifica uma história com milhares de quilômetros.
Quem vê Val com as mãos na terra, entre os canteiros da PUCPR, não imagina que ela conhece cada plantinha presente nos 70km² da Universidade em Curitiba. Muito menos que ela percorreu toda a Europa antes de chegar aqui. Aos fatos.
Maria Varlene Bandeira Kuhn nasceu em Manaus há 56 anos e, quando perguntada sobre como chegou à PUCPR, logo avisa: “Vixe, tem bastante história”. Quem tem a oportunidade de ouvi-la logo se vê mergulhado em uma aula de História, que passa pela Geografia, com um quê de mercado financeiro e que, inevitavelmente, culmina em Botânica. Um relato digno dos livros, que sempre a inspiraram por onde passou.
Val formou-se em Economia, ainda em 1994, e ingressou no mundo dos bancos, onde permaneceu por 22 anos, tornando-se gerente comercial. Uma carreira de destaque, com todo o seu universo de êxitos e estresses. O segundo quesito prevaleceu.
Sufocada pelo dia a dia entre tailleurs, saltos altos, ar condicionado e a luz artificial das agências, deixou de lado a burocracia bancária para viver um sonho de adolescência: conhecer a Europa dos livros de História, com seus castelos e encantos.
Uma decisão admirável, mas que encontra alguma resistência quando se toma aos 39 anos. “Você não tem mais idade pra isso” dizia um, “Está jogando sua carreira no lixo”, sentenciava outro, mas Val deu de ombros. Sentia uma certeza dentro de si.
Inscreveu-se em uma agência de intercâmbio e foi parar na Itália, onde começava uma jornada de descobertas que a trouxeram até a PUCPR. A vida bancária diluía-se num passado que nunca mais.
Mesmo sem falar italiano, recorreu aos livros e aprendeu o mínimo para desembarcar em Cutrofiano, “No salto da bota italiana”, como ela aponta. Tempos depois, foi para Milão e, quando o retorno ao Brasil parecia se aproximar: chegou a Londres.
Seu grande sonho era conhecer a Inglaterra e seus castelos vitorianos, e não perdeu a chance. Com uma série de desafios e alguma sorte, voltou aos livros para aprender a nova língua. Ali iniciava o capítulo inglês de sua história, que a possibilitou conhecer diversos países no Velho Mundo, mas algo havia mudado. “As construções na Europa são maravilhosas, lindas como nos livros. Mas a cultura já é outra. A globalização deixou as metrópoles todas muito iguais”, lamenta.
Após viver o sonho de conhecer os castelos que abrigaram as histórias dos livros, Val retornou ao Brasil. Por acaso tornou-se síndica do prédio onde veio morar em Curitiba.
Ainda sem saber diferenciar uma folhagem de uma flor na jardinagem, matriculou-se em um curso para ajeitar os jardins do condomínio. E não é que lá estava a Val que ela tanto procurava? “Eu gosto de viver ao ar livre”, sorri.
Foi um caminho sem volta, como se as flores retribuíssem a ela todo o carinho aplicado à terra. De lá para cá, mergulhou nos livros mais uma vez, agora cem por cento focada nas plantas. Jardins, canteiros, flores, folhagens, são companhias que garantem um sorriso sempre iminente em seu rosto.
Foram milhares de quilômetros, inúmeras descobertas e algumas lágrimas que trouxeram Val aos canteiros da PUCPR, onde tornou-se Supervisora da equipe de Jardinagem da Universidade.
Longe, mas muito mesmo, daquele mundo estéril das agências bancárias, hoje ela mergulha diariamente em um trabalho que se dilui em paixão. “Se você não é feliz, a sua carreira não é nada”, pontua satisfeita. Adaptou a vaidade dos tailleurs ao dia a dia de trabalho com a terra. E as marcas nas botas de trabalho não escondem isso.
Está prestes a se formar em Agronomia, aqui mesmo, na PUCPR, e não tem dúvidas de que chegou aonde sempre buscou, a vida toda. “Cada um carrega a sua arte dentro de si, só precisa encontrá-la”, sorri com o orgulho de quem nunca deixou de acreditar na própria força.